sábado, 2 de maio de 2009

O Candomblé e suas Ligações...


O candomblé e sua ligação profunda com as populações negras no Brasil foi tema constante nos estudos antropológicos e de outras áreas. No mesmo ano em que se funda a Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia, 1941, reúne-se no Rio de Janeiro o 1° Congresso Umbandista Nacional, visando estruturar uma pratica religiosa que já ocorria há mais de trinta anos no país. No final da década de 30, os trabalhos pioneiros de Edson Carneiro – Religiões Negras – notas de Etnografia religiosa, (1936), e Negros bantus – notas de Etnografia religiosa e de folclore (1937) – foram fundamentais para minar o estigma que cercava tais manifestações na cultura brasileira em geral. Convém lembrar que ainda no início do século XX os rituais de candomblé eram proibidos e eram casos de polícia no Rio de Janeiro. Sua aceitação como parte dos “valores nacionais” não foi tarefa simples e os trabalhos de Edson Carneiro, Nina Rodrigues e Artur Ramos abriram o terreno – e os terreiros – para reportagens como as de Arlindo Silva e José Medeiros.
Vale a pena lembramos que a Bahia e suas manifestações ligadas à cultura negra estavam e evidência na cultura brasileira por caminhos menos exclusivos que os debates intelectuais. As músicas de Dorival Caymmi e Ary Barroso, as pinturas de Carybé e os primeiros romances de Jorge Amado coloriam a região entre esteriotipos e exotismos que desembocaram na baiana fake encenada por Carmem Miranda nos filmes de Walt Disney (um dele intitulado justamente Você já foi a Bahia?). Além dessas manifestações, a afirmação da cultura negra nesse período passa por outros registros que não apenas sua vinculação com o candomblé e a Bahia, como é o caso da iniciativa de Abdias Nascimento ao fundar no Rio de Janeiro, em 1945, o Teatro Experimental do Negro.
Assim como a cultura negra e o candomblé despertavam o interesse de intelectuais e a curiosidade do grande público, as populações indígenas eram outro tema de destaque no “Brasil escondido” que se explorava nos anos 40. Em 1944 a Expedição Roncador-Xingu passa a ser dirigida pelos irmãos Vilas-Boas – Orlando, Cláudio e Leonardo – fixando seus trabalhos na área dos rios Xingu e Tapajós por mais de trinta anos. Em 1946 Francisco Meireles, trabalhando no Serviço de Proteção aos Índios, consegue pacificar os índios Xavante-Akwe, população que dominava os sertões do rio das mortes, na região central do país. Em 1947 o Serviço de Proteção aos Índios, através de Cícero Cavalcanti, reúne os últimos oitenta e nove índios Gorotire do Xingu, conduzindo-os para locais seguros, longe de doenças e dos sertanejos que ocupavam a área. Em meio aos avanços institucionais e pioneiros dos expedicionários, a pesquisa acadêmica passa a ampliar cada vez mais o debate da cultura indígena, sua permanência e extermínio no território nacional. Ainda em 1939, dois trabalhos já se debruçavam sobre o tema: Lima Figueiredo com Índios do Brasil e Angione Costa com Migrações e cultura indígena – ensaios de Arqueologia e Etnologia. Eles foram seguidos na década seguinte por outros livros como o trabalho de três volumes de Candido Mariano Rondon intitulado Índios do Brasil – do centro ao noroeste e sul do Mato Grosso (1946). Mais para o fim da década, saem as obras A organização social dos Tupinambás, lançada por Florestan Fernandes em 1949 e Religião e Mitologia Kadieu, obra de Darcy Ribeiro, de 1950.
Mais uma vez, o interesse intelectual se encontra com o interesse jornalístico, transformando o tema das populações indígenas em matéria de uma reportagem marcante de José Leal e José Medeiros publicada n'O Cruzeiro em junho de 1949, mesmo ano da obra clássica de Florestan Fernandes sobre os Tupinambás. Ao compararmos o teor dos textos acadêmicos com os textos das reportagens, vemos que os contrastes do país estavam mais pulsantes do que nunca. Enquanto o esforço dos estudiosos era o de desmistificar e desvelar os hábitos e as práticas culturais das sociedades indígenas, a imprensa reafirmava uma série de mitos e preconceitos em relação aos índios, mostrando o abismo entre civilizações existentes nas diferentes regiões e populações do Brasil.
Em meio aos referidos estudos sobre as especificidades regionais e culturais do Brasil, é fundada em 1947, por sugestão do folclorista Renato de Almeida, a Comissão Nacional do Folclore. A comissão contou com folcloristas e antropólogos que deixaram obras de destaque nessa área, como Edson Carneiro, Luiz Câmara Cascudo, Joaquim Cardoso e Oracy Nogueira. Os estudos sobre o folclore brasileiro ganham força nesse período, com obras de Renato Almeida, Compêndio de história da música brasileira (1948), Câmara Cascudo, Antologia do Folclore Brasileiro (1944) e Geografia dos mitos brasileiros (1947) e Artur Ramos com Estudos de Folclore (1952).
Contrapondo mais uma vez os estudos intelectuais com os fenômenos de massa, é nesse mesmo período que a definição de tipos regionais a partir de elementos folclóricos ganha um capítulo à parte: em 1945 o país inteiro passa a conhecer e admirar a figura folclórica do vaqueiro nordestino encarnada pelo músico pernambucano Luiz Gonzaga, inventor do Baião. O chapéu de cangaceiro e a sanfona, elementos vistos de forma depreciativa por parte da população, caem no gosto popular. Era o nordeste árido da seca e da fome presente em livros como Geografia da Fome, publicado por Josué de Castro em 1946, sendo revisto a partir das letras de Humberto Teixeira e do fole de Gonzaga para todo Brasil através do Rádio e da imprensa.
Em todas essas passagens, a revista O Cruzeiro se fez presente como o olho clínico de seus leitores espalhados em centenas de milhares pelo país. E foram nas fotografias de José Medeiros, a partir de 1946, que alguns dos temas estudados e divulgados por escritores e estudiosos encontraram sua imagem e tradução. Indígenas, negros, praticantes do candomblé, expedicionários, todos ganham forma e rosto. Elas contribuíram decisivamente para esse momento de “descoberta dos Brasis dentro de um Brasil” e de seu território vasto sendo ocupado pelos desbravadores, antropólogos, folcloristas, escritores e, por que não, jornalistas. A revista funda em suas páginas um espaço nacional numa época em que os contrastes do país e os conflitos decorrentes dessa situação eram o motor de sua história.
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divagação atual:

Quais são as representações regionais do Brasil atualmente? Ou melhor, há representações regionais no Brasil atual? Ao entrevistar Hermano Vianna em 2002 (entrevista publicada no livro MPB em discussão, que fiz com Santuza Naves e Tatiana Bacal), ele nos disse que o brasileiro remediado, nas regiões sudeste, norte, nordeste, no Brasil em geral, usava um mesmo uniforme: chinelo de dedo, short, camisa de campanha política e boné (com a variação da bermuda de lycra e top para as mulheres). E todos usam essas roupas do seu dia a dia na hora de apresentar suas manifestações folclórias e "tradicionais" - quebrando assim a aura de "folclóricos" que supostamente deveriam preservar (preservar para quem?). A Tradição Brasileira inventada a ferro e fogo durante o Estado Novo, essa colcha de retalhos reunindo pedaçoes de vaqueiros, índios, baianas do acarajé, cariocas de camisa listrada e chapéu de malandro, pescadores de jangada, gaúchos da fronteira, é rasgada quando se ouve qualquer relato de quem viaja pelo interior do país.

Podemos dizer que hoje em dia, em plena era do PMDB, tal ideal contraditório - construir uma cultura nacional a partir de ícones culturais regionais - tornou-se um modelo obsoleto? Ou cada vez mais os regionalismos entram na pauta do dia comandando o processo nacional? É só lembrarmos da contrapartida dessa homogeneização do "tipo brasilis" no interior do país: as política de tombamento de bens materias e imaterias da cultura brasileira. Na ampla maioria dos casos, os bens tomabados são formas regionais de manifestação, como reisados, bois, cavalos marinhos, cerâmicas, pífaros, receitas de comida ancestrais etc. O que é tradicional e o que é contemporâneo nos dias de hoje, em que novelas da globo e sites como Overmundo colocam sotaques e costumes locais em um espaço virtual nacionalizado (mesmo com sede no Rio de Janeiro)?

Desde o fenômeno d'O Cruzeiro e das fotos de José Medeiros e Jean Mazon, outro grande fotógrafo que não mencionei durante o artigo, a cultura de massas achatou os fenomenos regionais ou folclóricos em uma narrativa "branca, racional e distante", os colocando tanto como exótico desnecessário (a rejeição ao "paraíba", a perseguição velada ao camdomblé, o papel secundário do nordestino nas grandes cidades), quanto como exotismo salvador das classes (basta lembrar da semana de 22, do CPC ou do sucesso do forrró dentre a juventude do sudeste nos anos 90). Se de um lado a antena parabólica aboliu a inocência do criador folclórico, do babalorixá e do cacique indígena frente à cultura de massas, por outro lado os tombamentos frenéticos do nosso patrimônico cultural preservam mais que nunca os regionalismos e manifestações esquecidas e pouco praticadas. É a vitória simultânea de Oswald de Andrade e Câmara Cascudo.

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